19 de fevereiro de 2011

Minha Menina


Em meio àquela confusão de papéis, lá estava eu absorvido pelo trabalho burocrático e aborrecido pelos problemas que teria que enfrentar e resolver naquela hora.
Cabeça baixa, às vezes coçando-a, tentando talvez tirar dali a solução para tantos problemas.
Quando levantei o olhar, lá estava ela com seus cinco anos de vida.
Sorriso nos lábios, lancheirinha pendurada a tiracolo, parecia mais uma boneca colocada ali a bel prazer. Não disse nada! Apenas me olhava fixo com aqueles olhos grandes e estatelados que mais pareciam duas estrelas solitárias brilhando na escuridão, a rondar todo um universo ao seu redor.
Dedinhos encostados nos lábios escarlates, pareciam impedi--los que dissessem alguma coisa.
Vestidinho curto, todo amarrotado e sujo pelas brincadeiras de recreio, mostrava a calcinha rendada e aquelas perninhas gordas e bronzeadas pelo sol de fim de verão.
Levantei a cabeça lentamente e olhei-a bem nos olhos, tentando repreendê-la por estar ali perturbando o meu trabalho tão importante.
Porém uma sensação de orgulho e alegria brotou de dentro de mim. Aquela criaturinha era parte de mim.
O cansaço desapareceu e o mundo se me apresentou mais esperançoso.
Não conseguia desviar meu olhar do olhar de Carina. Magnetizava-me a maneira com que ela me fixava. Era uma sensação indescritível.
Suas pernas medrosas começaram, vagarosamente, conduzir aquele corpinho em minha direção. Os dois metros que nos separavam pareciam quilômetros para ela.
Não me levantei. Não consegui sequer desviar o olhar. Os papéis da mesa de trabalho pareciam desaparecer diante de mim, dando lugar aquela criança tímida vindo em minha direção.
Quis dizer-lhe algo, mas não conseguia. Quando tentei balbuciar alguma coisa, ela atacou primeiro...
- Papai, sabe de uma coisa?
- Hum!??
- Eu te amo, sabia?
Meus braços se abriram e apertaram junto ao meu peito aquele mundo de esperança e de meus olhos, teimosamente, brotaram duas lágrimas enquanto que um nó apertava-me a garganta...

J. C. Paula

2 comentários:

  1. Minha filhinha Amanda...semelhantes episódios diários...pena que nem sempre o tempo, a disposição e a correta sensibilidade se entrelaçam com tamanha perfeição. Mas às vezes, como que nos alinhamentos planetários, temos um momento destes, que vale a eternidade num profundo respirar.

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