27 de abril de 2013

Curiosidade: De onde veio a expressão "passar o pente fino"? - 26


Passar o pente fino
Expressão que, literalmente, designa a ação de usar o lado fino do pente para conseguir retirar sujeiras no cabelo, como caspas e piolhos.
Em termos figurativos, significa afastar as pessoas ruins de dado grupo ou, no âmbito comercial, eliminar muambas que estejam prejudicando a atividade da empresa.
No campo fiscal, a "malha fina" é o minucioso exame, que procura corrigir erros e impropriedades em declarações de renda, o que assusta muita gente quando lhe chega a intimação para o respectivo acerto.
Na história do Brasil, o pente fino teve seu lugar num episódio patético. Quando a família real portuguesa, em 1808, mudou-se para o Rio de Janeiro numa tumultuada e arriscada travessia marítima, as mulheres, que viajavam em precárias condições, foram atacadas por uma epidemia de piolhos, engordados por seus respectivos ovos, as lêndeas - palavra que, aliás, Otto Lara Resende considerava como a mais bela da língua portuguesa, veja você. 
Não teve jeito. Todas as mulheres tiveram de raspar os cabelos, ficaram carecas. Ao desembarcarem no Rio, sua aparência era ao mesmo tempo assustadora mas também - para muitas cariocas da época - uma espécie de dernier cri da moda europeia!
Resultado: boa parte da mulherada do Rio aderiu à novidade, meteu pente à cabeleira e passou a exibir, com apressado orgulho, lustrosas carecas! Foi um espanto, mas, como depois se viu, engano que só serviu para estimular os mexericos de sôfregas Mariquinhas e Maricotas.

(Márcio Cotrim - Revista Língua Portuguesa - nº 90 - 2013 - pág. 60)

17 de abril de 2013

A Luta


Era o ano de 1965. Ali estava eu servindo o Exército. Minha turma era composta de 78 atiradores. Cada um, um amigo. Mas como éramos diferentes!
Dentre eles havia alguns tipos inesquecíveis: Scarpa, gordo, esguio, mas não conseguia fazer barras ou flexões, não suportava nos braços seu próprio peso. Ria de seu próprio físico. Alair, colega de bancos escolares, muito brincalhão, era o famoso Pit. Édson, conhecido por Escovão pelo seu penteado. Zé Augusto, o Gordo, velho amigo de infância com quem convivi na fazenda de seu pai, meu amigo Genaro Paulino. Netto, Nogueira, Wilton, Bellini, Sebastião, Pacheco, Damas e tantos outros.
Damas, ah, ele era muito engraçado na sua humildade. Forte, gostava de mostrar seus bíceps. Trabalhava na Casa Pinto como motorista de caminhão.
No primeiro dia de instrução, estávamos em fila no pátio do TG, quando o Sargento Gonçalves solicitou que os novos atiradores fossem dando um passo à frente, por ordem alfabética. “Os atiradores cujo nome comece com a letra C, um passo à frente”, vociferou o Sargento. Damas foi o único a dar um passo à frente. Sargento Gonçalves, com sua voz de militar, perguntou: “Qual seu nome, atirador?”  Damas, imediatamente em posição de sentido responde em bom tom: “Sebastião, Sargento!”  A gargalhada foi geral.
Mas houve um fato inesquecível. Resolvemos alguns atiradores assistir a um espetáculo de luta livre entre mulheres. Era um circo que estava armado num terreno baldio, próximo ao cemitério, onde hoje se localiza o Ginásio Poliesportivo.
Éramos uns 30 atiradores sentados na arquibancada de tábua que, por sinal, não oferecia muita segurança. No centro do circo estava um ringue onde mulheres musculosas lutavam entre si, numa espécie de telecatch.  Esse tipo de luta era moda nos circos.
Entre nós, estava o Pacheco. Forte, cabelos avermelhados, simples e brigão, mas um ótimo companheiro. Sempre sorridente e alegre. Gostava de contar piadas. Ele dizia que aquilo tudo “era marmelada para embromar o público”. Claro que ele tinha razão. Mas era divertido.
O condutor do espetáculo, em dado momento, grita para a plateia: “Entre vocês há alguém que queira desafiar uma das garotas? O prêmio para o vencedor será de 30 cruzeiros” (um bom dinheiro na época).
Começamos, então, a instigar o Pacheco para que aceitasse o desafio. Depois de muita insistência ele desce da arquibancada  e se oferece como  voluntário para  a luta.  
O aplauso foi geral e os gritos de incentivo partiam de nossas gargantas entre vivas e assobios.
Pacheco subiu ao ringue, de calção e camiseta, mostrando seu físico invejável e seus braços fortes.  Ao centro do ringue ele ouviu as instruções do juiz. Ele estava calado e com os olhos fixos na mulher que desafiara.
Começa a luta! Pacheco mal consegue parar em pé. A mulher o derruba várias vezes e ele continua impassível diante da surra que levava. Foi num desses momentos que o juiz se aproximou e disse: “Você não vai reagir?” Pacheco, com uma paciência incrível, responde: “Não gosto de bater em mulheres.”  “Mas você tem que reagir”, explica o juiz.  Pacheco olha para nós e em alto brado responde? “Então que venham as duas!”
O riso foi geral. Ele levantou os braços para o público, arrancando aplausos,  enquanto as mulheres entravam no ringue.
 A luta recomeça. Duas contra um. Pacheco, em poucos minutos, deixa as duas mulheres estendidas no tablado e indefesas. Vencera!
Descemos todos das arquibancadas e invadimos o picadeiro. Tomamos Pacheco pelos braços e o levantamos como um herói, não sem antes receber o prêmio.
Que noite!
Saímos dali aos gritos de alegria e fomos para o Bar do Orlando, onde “torramos” os trinta cruzeiros em cerveja e tira-gosto.
Onde andará Pacheco?
J. C. Paula

Carlinhos



Amigos, amigos de fato. Amigos para todo momento e para todas as aventuras.  Ele morava ali pertinho, apenas três casas abaixo da minha. Seu apelido: Onça. Não sei porque, mas onça não combinava com ele. Nunca o chamei assim. Pra mim era Carlinhos.
Onde quer que fosse ele me acompanhava, nos bons e maus momentos. Nunca deixamos de ser amigos. Tínhamos a mesma idade. Ele, moreno, esguio, falador, sorridente, filho caçula, assim como eu. D. Zica, sua mãe. Austera mas me amava. Seu pai, Sr. Homero, morreu de repente quando brincávamos na sala de sua casa.
Triste lembrança. Fez a barba, nos cumprimentou naquele momento em que estávamos brincando de carrinhos (esses feitos  de madeira  cujas rodas eram  de carretéis vazios, feitos por nós mesmos). Fez a barba, assobiava naquele momento o “Perfumes de Gardênia”. Como ia me esquecer? Saiu do banheiro, sentiu-se mal e olhou pra nós. Foi seu último olhar. Era 1954.
Rodopiou e foi tombando devagar sobre nossos corpos frágeis. A vida se esvaiu. Nós não conseguimos entender o que havia acontecido com ele.
Quando acordamos para a realidade que se nos despertava naquele momento, lá estava ele de mãos cruzadas sobre o peito, ainda o sorriso a estampar-lhe na face.
Muita gente, todos  curiosos  olhando para aquele corpo inerte. Nós não entendíamos aquilo. Fomos para o quintal da casa e continuamos nossas brincadeiras sem perceber o drama que se desenrolava naquele instante.
O pai de Carlinhos. Não o veríamos mais. Ele partiu.
Passaram-se os dias, nossa vida rotineira continuou. Brincadeiras, estudos também, caça aos passarinhos. Vivíamos um mundo que só era nosso e ninguém se adentrava nele.
Como poderia esquecer do Carlinhos? Não poderia nunca, ele  passou a ser  parte de mim. Amigo e companheiro.
Depois de algum tempo mudou-se para São Paulo. Tornou-se motorista de táxi e nunca mais o vi.
Apenas fui informado que ele faleceu no início de 2012 e foi sepultado em Alfenas.
Vejo-o, sim, nas minhas lembranças.

Tenho saudades da minha infância   Saudades de tempos distantes, pessoas especiais, lugares inesquecíveis, cheiros e prazeres, reco...