17 de fevereiro de 2015

Assassinando a Língua Portuguesa - XX


Curiosidades: A Língua falada no Brasil - 31

Conhecer uma língua é uma forma de termos contato com as raízes culturais mais profundas de uma sociedade. A origem das coisas está na linguagem, na comunicação. Você sabe de onde veio a língua que você fala hoje?! Ela é uma grande mistura de várias outras línguas e histórias e culturas. Digo mistura de histórias e culturas porque a língua retrata a forma como uma sociedade vê o mundo. Ou seja, cada sociedade compreende a realidade à sua maneira. Por isso, na aprendizagem de uma segunda língua não fazemos apenas uma tradução do dicionário dela, mas é preciso entender um pouco da cultura daquele contexto em que ela é falada. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, lá em 1500, encontraram muitas dificuldades, disso já sabemos. Aqui estavam os nativos e com eles uma grande variedade de línguas. Só na região amazônica eram cerca de 718. É isso mesmo! 7-1-8 línguas indígenas!!! Podemos imaginar a dificuldade que os portugueses tiveram para estabelecer algum tipo de comunicação com os índios e realizar a tão sonhada catequese. Os portugueses não conseguiram aprender as nossas línguas, por causa da diferença dos sons e também da multiplicidade delas (afinal, eram mais de 718!). E daí começou a ideologia de inferioridade da língua dos índios, assim como sua cultura. A prática missionaria resolveu reprimir essas diferenças linguísticas e culturais. Hoje, ainda utilizamos algumas palavras de origem indígena, como arapuca, jabuti e moqueca, do Tupi. Mas, falamos essencialmente o português que veio de Portugal, cheio de influências do latim, grego, italiano, francês… Algumas palavras são criadas por aqui mesmo. Apesar de sabermos que a formação de palavras não é tão simples assim, é verdade que elas sofrem alterações ao longo do tempo e cada vez mais temos um “português brasileiro”. É extremamente importante resgatar as raízes culturais que de inferiores nada têm! E porque não começar pela origem, a linguagem
(Azeredo, J.C. Morfologia: construção gramatical da palavra. In:  Fundamentos de gramática do português). 

16 de fevereiro de 2015

Degraus ou degrais?


Um amigo me perguntou qual é o plural de "degrau" e de "troféu" e disse que viu uma placa onde estava escrito: cuidado com os degrais.
O plural de degrau é degrauS, como o de todos os vocábulos terminados no ditongo "au" - mingau, mingauS; luau, luauS.
O que deve ter atrapalhado a pessoa que escreveu essa preciosidade de cartaz é a semelhança fonética com os vocábulos terminados em "al", que fazem o plural em "ais": jornal, jornaIS; quintal, quintaIS. A mesma confusão às vezes se manifesta entre os terminados em "éu" e os terminados em "el": chapéu, chapéus; troféu, troféus; escarcéu, escarcéus; ilhéu, ilhéus; mas papel, papéis; tonel, tonéis.

13 de fevereiro de 2015

Escritos Escondidos

     Quando faço alguma faxina no meu escritório, acabo remexendo arquivos, caixas e pastas onde sempre encontro muitos escritos escondidos. Usei o termo  “escondidos”   por terem ficado um bom tempo esquecidos em um arquivo qualquer, até datilografados.

     Não sei se poderia chamar esses escritos de pérolas, mas, para mim, são tão valiosas por se tratarem de frases e versos com algumas palavras soltas que escrevi há tempos e que não tiveram uma conclusão ou, se concluíram, foram esquecidas no tempo.
     Ao redescobrir meus antigos escritos, não deixei de perceber algo de diferente neles. Olhava com estranheza o que estava escrito em cada poesia. Algo meio desencontrado, solto no ar. Refleti, refleti, e viajei de encontro ao meu eu no passado e foi extraordinário, embora certas lembranças seriam melhores se esquecidas.
     Esse reencontro comigo mesmo me fez entender o que eu havia escrito, da forma que havia escrito e o que queria dizer, pois sem essa conexão, continuaria a enxergar palavras desencontradas e desordenadas, mas com uma brutal sensibilidade e retratando com fidelidade a explosão de um coração verdadeiro e mais jovem.
     Hoje, porém, não me vejo como tempos atrás. Mas pude agregar e até mesmo cortar excessos, reformulando algumas poesias e crônicas e isso me deu um prazer enorme, talvez ainda maior do que no momento em que foram criadas.
     Na verdade essas poesias e crônicas não foram refeitas, foram lapidadas, pois a essência da sua criação permaneceu inócua em cada letra, cada frase. Como se o seu ponto mais valioso fosse revelado após a sua lapidação, fazendo com que a pedra brilhasse e refletisse o seu real valor.
     Coisas que esquecemos em um canto como um sentimento, um sonho, um ideal, um amor, um objeto, enfim, coisas que vamos jogando dentro de um baú e esquecendo em um canto empoeirado, úmido e mofado, mas que são verdadeiras pérolas e bem valiosas.
 Claiter
maio/2011

10 de fevereiro de 2015

Curiosidades: História ou estória? - 30

“Bom, estória nasceu três vezes. Primeiro, nos velhíssimos tempos em que escribas, escrivães e copistas, por ignorância ou economia, deixavam no tinteiro os agás latinos: aver, ou auer, omem ou ome, oje, ora... Depois, veio a Renascença cheia dos seus latins, e exumaram todos os agás enterrados. E a estória voltou a ser história”.

Depois? Depois veio o João Ribeiro (jornalista, filólogo, historiador,  1860/1934), e estória nasceu pela segunda vez (1919). Como o inglês tem story e history (“Stories are not History”), aquele escritor sugeriu o vocábulo arcaico estória, em terminologia de folclore, para conto da carochinha, lenda popular, etc.  Mas o vocábulo ficou em estado de incubação...
Depois? Bom, depois o arcaísmo nasceu pela terceira vez. Porque veio o Guimarães Rosa, para glorificar, imortalizar a ausência do agá: Primeiras estórias. Corriam os anos de 1962. “Primeiras estórias”... todos os fãs do mineiro imortal ficam absolutamente alucinados. E foi estória pra cá, estória pra lá, estória pra todos os lados. Uma epidemia. Perdão, uma glória... a estória. Deu-se até aquele comovente caso do plumitivo* de aldeia que projetou escrever a “Estória do Município de...”. Não digo o nome do município para não dar a pista do “estoriador”.
Bem, hoje estamos neste pé: escritor que se preza não escreve histórias, mas tão-somente estórias. Pelo menos assim fica tendo alguma coisa em comum com o gênio do Grande Sertão...  . 
Mas, falando sério: hoje há duas posições - 1ª) fazer a distinção entre história (o real, acontecido, datado) e estória (o fictício, a ficção) e 2º) manter uma forma única, com h, em qualquer sentido.
Eu? Sou da simplicidade, da não complicação: história. Em qualquer sentido. Afinal, ter mais de um significado é a sina da maioria das palavras. Hoje é o ‘dia corrente’ e o ‘tempo atual’: quem sabe, a gente opõe um hoje a oje?
Em odo caso, respeito o uso estilístico, pessoal, de estória."
(*) escritor ou jornalista sem méritos

(Celso Pedro Luft in “o romance das palavras”, ed. ática, 1996)

9 de fevereiro de 2015

De repente deu-me uma saudade...

De repente deu-me uma saudade imensa daquele tempo em que tínhamos menos preocupações, daquele tempo em que nossas mentes e almas estavam dedicadas e dirigidas apenas para o prazer e para a satisfação do outro. Não estou me queixando, apenas relembro os velhos tempos em que sorríamos com mais naturalidade, aquele tempo em que víamos mais graça e beleza em nossos passeios, aquele tempo em que o simples fato de estarmos juntos era, por si só, um programa maravilhoso. Acho que ficamos exigentes em demasia, acho que apanhamos a triste mania de procurar em lugares distantes, algo que talvez, esteja bem diante de nós. Resolvi escrever recuperar e escrever sobre os bons tempos porque, de repente, surgiu-me uma estranha nostalgia, uma nostalgia que dói, que machuca. Tempos que não voltam mais.
Saudades de familiares, os amigos, dos mestres das pessoas com quem partilhamos momentos de alegria e que, de repente, resolveram partir.  Foram embora para outras plagas ou para o além. Deixaram a saudade, mas uma bela lembrança dos bons momentos. O que aqui está escrito, são apanhados avulsos de longos anos, quando não me preocupava em colocar datas. Por isso estão completamente fora de ordem cronológica.


Claiter

Aquela Rua


Havia tempos que eu não passava por aquela rua. A Marechal Deodoro é apenas uma ruela de um quarteirão. Ela começa na General Costa Campos e termina na Duque de Caxias.
Na direção do carro, dirigindo devagar, paradas repentinas e olhando para cada uma das casas daquela rua, fui monologando: aqui morava o Miguel Pipoca, dono de um restaurante famoso pelos peixes fritos, muito conhecido por Bar do Miguelaço. Homem de estatura mediana, gordo, meio estranho nas conversas, costumava caminhar pela casa apenas de cueca. Os que na sua porta passavam, o viam na sala assim trajado.
Nesta outra casa moravam o Sr. Tilinho e sua esposa, D. Dalva. Ele era alto, esbelto, funcionário da firma Engel & Irmãos, motorista de caminhão de transporte. Amigo e brincalhão. Contava causos e mais causos sobre suas viagens e entregas.
Na casa seguinte, o Sr. Vicente Azevedo. Alto, magro, esguio, sorriso estampado no rosto, alfaiate. De vez em quando ainda me encontro com ele. Bom de conversa. Participava das comunidades eclesiais de base.
Fernando Prado residia também naquela rua. Pedreiro, ótimo profissionalEste era meu amigo particular e colega de Congregação Mariana. Bons tempos. Participávamos do terço em família, jogávamos futebol, fazíamos teatro. Hoje, Fernando mora na Bias Fortes, esquina da João de Camargo, praticamente meu vizinho. Fernando, com idade avançada não mais se lembra daqueles tempos, infelizmente sua memória não lhe permite sequer lembrar-se de mim.
À direita, antes da casa do Vicente, morava o Sr. Emílio Ayer, a quem meu pai dizia ter parentesco. Também trabalhava na firma Engel & Irmãos. Muito sistemático, ele era de poucas conversas, mas tem um família maravilhosa.
Sr. Toniquinho Carteiro, era assim que todos o chamavam. Funcionário da Empresa de Correios e Telégrafos de longa data. Nós o víamos passar pelas ruas entregando correspondências e todos o chamavam perguntando: “tem carta pra mim, seu Toniquinho.” Ele, calma e tranquilamente respondia: “Amanhã”.
Mas, o que mais me veio à memória foram dois amigos, Salvador e José Viana. Ambos trabalhavam no Colégio Estadual. Trabalhei no início de minha vida profissional. Salvador e José Viana trabalhavam na portaria do estabelecimento. Controlavam entrada e saída de alunos que os respeitavam carinhosamente.
Salvador, magro, moreno, adorava um vinho. Como gostava! Morava numa pequena casa à esquerda da rua, na esquina com a Duque de Caxias. Sempre o via, após o trabalho, fumando seu cigarro de palha e debruçado à janela olhando para a rua repleta de crianças barulhentas e saltitantes. Ele adorava aquilo. Salvador era muito tímido, mas homem de caráter e honesto. Cuidava bem de sua família e seus filhos que eram seus bens mais preciosos. Anda calma e tranquilamente em direção ao seu trabalho, que ficava a apenas dois quarteirões de sua casaSalvador, que boa lembrança.
José Viana, homem forte, barba rapada, bigode bem cuidado. Não deixava também o seu cigarro. Sempre alegre e brincalhão. Não passava um dia sequer sem que Viana me dirigisse palavras de incentivo acompanhadas de brincadeiras salutares. Um bom companheiro.
Eu frequentava sua casa. Seus filhos eram meus amigos e ainda o são. Pai e marido exemplar. Mas bastante rigoroso em suas decisões, respeitava como ninguém os jovens estudantes, mas não lhes dava trégua quando se tratava do cumprimento de seu dever.
Tantas e tantas vezes ia eu a casa dele apenas para vê-lo contar histórias alegres e cativantes. Viana simplesmente um homem bom que não ficou mais conosco. Faleceu naquele dia de outubro de 1994. Não me lembro de exatamente o dia e nem o que o levou a nos abandonar e a todos os seus jovens amigos do Colégio Estadual.  Deve ter ido se encontrar com Salvador.
Hoje, passando pela Marechal Deodoro, paro e olho para a janela ainda na esperança de vê-lo sorrindo com o cigarro no canto da boca, e os braços cruzados na janela.
Saudades de vocês, meus bons e velhos amigos da Rua Marechal Deodoro, onde acontecimentos ainda povoam minhas lembranças.

José Claiter

Tenho saudades da minha infância   Saudades de tempos distantes, pessoas especiais, lugares inesquecíveis, cheiros e prazeres, reco...