9 de fevereiro de 2015

Aquela Rua


Havia tempos que eu não passava por aquela rua. A Marechal Deodoro é apenas uma ruela de um quarteirão. Ela começa na General Costa Campos e termina na Duque de Caxias.
Na direção do carro, dirigindo devagar, paradas repentinas e olhando para cada uma das casas daquela rua, fui monologando: aqui morava o Miguel Pipoca, dono de um restaurante famoso pelos peixes fritos, muito conhecido por Bar do Miguelaço. Homem de estatura mediana, gordo, meio estranho nas conversas, costumava caminhar pela casa apenas de cueca. Os que na sua porta passavam, o viam na sala assim trajado.
Nesta outra casa moravam o Sr. Tilinho e sua esposa, D. Dalva. Ele era alto, esbelto, funcionário da firma Engel & Irmãos, motorista de caminhão de transporte. Amigo e brincalhão. Contava causos e mais causos sobre suas viagens e entregas.
Na casa seguinte, o Sr. Vicente Azevedo. Alto, magro, esguio, sorriso estampado no rosto, alfaiate. De vez em quando ainda me encontro com ele. Bom de conversa. Participava das comunidades eclesiais de base.
Fernando Prado residia também naquela rua. Pedreiro, ótimo profissionalEste era meu amigo particular e colega de Congregação Mariana. Bons tempos. Participávamos do terço em família, jogávamos futebol, fazíamos teatro. Hoje, Fernando mora na Bias Fortes, esquina da João de Camargo, praticamente meu vizinho. Fernando, com idade avançada não mais se lembra daqueles tempos, infelizmente sua memória não lhe permite sequer lembrar-se de mim.
À direita, antes da casa do Vicente, morava o Sr. Emílio Ayer, a quem meu pai dizia ter parentesco. Também trabalhava na firma Engel & Irmãos. Muito sistemático, ele era de poucas conversas, mas tem um família maravilhosa.
Sr. Toniquinho Carteiro, era assim que todos o chamavam. Funcionário da Empresa de Correios e Telégrafos de longa data. Nós o víamos passar pelas ruas entregando correspondências e todos o chamavam perguntando: “tem carta pra mim, seu Toniquinho.” Ele, calma e tranquilamente respondia: “Amanhã”.
Mas, o que mais me veio à memória foram dois amigos, Salvador e José Viana. Ambos trabalhavam no Colégio Estadual. Trabalhei no início de minha vida profissional. Salvador e José Viana trabalhavam na portaria do estabelecimento. Controlavam entrada e saída de alunos que os respeitavam carinhosamente.
Salvador, magro, moreno, adorava um vinho. Como gostava! Morava numa pequena casa à esquerda da rua, na esquina com a Duque de Caxias. Sempre o via, após o trabalho, fumando seu cigarro de palha e debruçado à janela olhando para a rua repleta de crianças barulhentas e saltitantes. Ele adorava aquilo. Salvador era muito tímido, mas homem de caráter e honesto. Cuidava bem de sua família e seus filhos que eram seus bens mais preciosos. Anda calma e tranquilamente em direção ao seu trabalho, que ficava a apenas dois quarteirões de sua casaSalvador, que boa lembrança.
José Viana, homem forte, barba rapada, bigode bem cuidado. Não deixava também o seu cigarro. Sempre alegre e brincalhão. Não passava um dia sequer sem que Viana me dirigisse palavras de incentivo acompanhadas de brincadeiras salutares. Um bom companheiro.
Eu frequentava sua casa. Seus filhos eram meus amigos e ainda o são. Pai e marido exemplar. Mas bastante rigoroso em suas decisões, respeitava como ninguém os jovens estudantes, mas não lhes dava trégua quando se tratava do cumprimento de seu dever.
Tantas e tantas vezes ia eu a casa dele apenas para vê-lo contar histórias alegres e cativantes. Viana simplesmente um homem bom que não ficou mais conosco. Faleceu naquele dia de outubro de 1994. Não me lembro de exatamente o dia e nem o que o levou a nos abandonar e a todos os seus jovens amigos do Colégio Estadual.  Deve ter ido se encontrar com Salvador.
Hoje, passando pela Marechal Deodoro, paro e olho para a janela ainda na esperança de vê-lo sorrindo com o cigarro no canto da boca, e os braços cruzados na janela.
Saudades de vocês, meus bons e velhos amigos da Rua Marechal Deodoro, onde acontecimentos ainda povoam minhas lembranças.

José Claiter

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