28 de julho de 2012

Vamos concordar? - III

1. “Já FAZ ou FAZEM dois anos que não nos vemos?”
     O certo é “já FAZ dois anos que não nos vemos”.
O verbo FAZER, quando se refere a tempo decorrido, é impessoal. Isso significa que não tem sujeito e que deve ser usado sempre no singular: “Já FAZ dez anos que ele morreu”; “FAZIA oito minutos que ele não tocava na bola”; “VAI FAZER quatro anos que o Flamengo não vence o Coríntians numa final”.
O mesmo ocorre com o verbo HAVER. Ninguém diria que“hão dois anos que não nos vemos”. Nós não nos vemos “há dois anos”, da mesma forma que não nos vemos “faz dois anos”. Sempre no singular.

2. “VAI fazer ou VÃO fazer dois meses que ele viajou?”
     O certo é “VAI FAZER dois meses que ele viajou”.
O verbo FAZER, quando se refere a “tempo decorrido”deve ser usado sempre no singular: “FAZ dez dias que não nos vemos”; “FAZIA alguns minutos que Juninho não tocava na bola”…
A regra continua valendo para as locuções verbais em que o verbo FAZER for o principal: “Já DEVE FAZER duas horas que ela saiu”; “VAI FAZER dois meses que ele viajou”.

Vamos concordar? - II

1. "ACONTECEU ou ACONTECERAM dois acidentes nesta esquina?"
Segundo nossas regras gramaticais, o verbo deve concordar com o sujeito. No caso acima, o sujeito do verbo acontecer é "dois acidentes", que está no plural. Por isso devemos dizer que "aconteceram dois acidentes."
Quando alguém diz que "aconteceu dois acidentes", na verdade aconteceram três, sendo um da concordância mal empregada.

2. "HOUVE ou HOUVERAM dois acidentes?"
O verbo haver, quando usado no sentido de existir, é impessoal. Isso significa que não tem sujeito e que só pode ser usado no singular. O correto é houve dois acidentes.
É interessante notar que ninguém diria "hão muitas pessoas aqui". Todos falam corretamente: Há muitas pessoas aqui." O verbo haver (= existir) deve ser usado sempre no singular em qualquer tempo verbal: "Havia muitas pessoas na reunião"; "Haverá muitos candidatos no próximo concurso".
Certa vez, li num jornal famoso: Houveram vários crimes na Baixada. Sem dúvida, um dos crimes foi contra a língua portuguesa. O correto é houve vários crimes na Baixada."

Dificuldades da Língua Portuguesa - XXI

ESTADIA ou ESTADA?
Sempre expliquei que estadia é o "período em que o navio fica no porto para carga e descarga" e estada é "o ato de estar, permanência."
O novo Aurélio considera estadia sinônimo de estada, permanência. Sendo mais justo ainda: o dicionário Houaiss já dizia isso há mais tempo e também registra as palavras como sinônimos. Isso significa, portanto, que estada e estadia, no sentido de "permanência", são sinônimos. Para os navios, só vale a estadia.
ATERRIZAR ou ATERRISSAR?
O velho dicionário Caldas Aulete só registrava a forma aterrissar. No entanto, a forma aterrizar já está devidamente registrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras e por vários dicionários, entre eles o próprio Aulete digital, o Houaiss, o Michaelis e o Aurélio.
Aqui não há mais discussão. As duas formas são totalmente aceitáveis.
MAU-OLHADO ou MAL-OLHADO?
As duas palavras existem, mas apresentam significados diferentes:
a) mal-olhado - adjetivo, é o "que não é bem visto, bem aceito; malvisto; detestado, odiado" (Dicionário Michaelis).
b) mau-olhado - substantivo, olhar a que se atribuem poderes de causar malefícios, infortúnios (Dicionário Houaiss). Portanto, é "a qualidade que a crendice popular atribui a certas pessoas de causarem desgraças àquelas para quem olham."

Observação: o adjetivo mal-olhado não aparece nos dicionários Aurélio e Houaiss, mas está registrado no dicionário Michaelis e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da ABL

18 de julho de 2012

Curiosidade: Mussarela ou Muçarela? - 21


O duplo "z" de palavras italianas vira, em português, "ç":
carrozza - carroça; piazza - praça;  razza - raça.
Na Itália, escreve-se "mozzarella", com dois "z".
(Do italiano mozzarella, diminutivo de mozza "leite de búfala ou de vaca talhado com uma espécie de fundo chamado mozze", do dialeto napolitano.
É por isso que os principais dicionários (Aurélio e Houaiss) e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) prescrevem a grafia muçarela, com "ç". Portanto, por incrível que pareça, a forma "errada", segundo as fontes citadas, é justamente a que quase todo mundo usa: “mussarela”.

Como explicar isso?
Não é difícil: um belo dia, alguém que desconhecia a regra de que o duplo "z" italiano vira "ç" em português escreveu "mussarela". Também pelo fato de o S intervocálico apresentar o som de z dobra-se o S. Exemplo: casa, cassa; asa, assa.
Outros que também desconheciam a regra [zz = ç] o acompanharam.
E assim foi popularizada a grafia com dois "ss". Hoje, ai daquele que escreve "muçarela"!
Certamente, para a grande maioria, o errado é ele, apesar de a ortografia oficial dizer o contrário.
Diante da situação, o que fazer?
Ignorar a regra e grafar "mussarela" conforme a maioria? Ou acatar a prescrição da norma e escrever "muçarela"?
Eu, pessoalmente, escrevo "muçarela", mas não corrijo quem escreve "mussarela", pois sei que este é mais um dos tantos erros que o uso consagrou.
Observação: O dicionário Houaiss da Língua Portuguesa registra duas formas: MUÇARELA e MOZARELA.

Vamos concordar? - I

CONCORDÂNCIA: UM DOS QUE...

            Com a construção “um dos que” (e semelhantes, como “um daqueles que” e “um desses que”), o mais lógico é fazer o verbo concordar no plural: “Ele é um dos jogadores que foram punidos”; “A cantora Marisa Monte é uma das artistas que vão abrilhantar a festa”; “A pesquisa do professor Ferreira é uma das que receberam o apoio do governo federal”; “O Fiesta é um dos carros que mais vendem no Brasil”.

            Invertendo a frase, você descobre por quê: “Dos jogadores que foram punidos, ele é um”; “Das artistas que vão abrilhantar a festa, a cantora Marisa Monte é uma”; “Das pesquisas que receberam o apoio do governo federal, a do professor Ferreira é uma”; “Dos carros que mais vendem no Brasil, o Fiesta é um”.

            O verbo fica no singular só nas poucas vezes em que a ação se refere a um só agente: “Foi uma das suas canções que tocou na festa”; “Foi um dos vinhos da sua vinícola que foi servido ontem na recepção”; “Era uma das suas filhas que estava namorando na frente da escola”.

10 de julho de 2012

Agora ela pode morder?


Naquele dia, ele se aproximou de mim perguntando sobre a possibilidade de ter um cãozinho. A verdade é que eu nunca desejei ter um cão ou cãozinho. Não tinha como abrigar um animal em minha casa por falta de espaço.
Mas aqueles olhinhos esbugalhados, fixos nos meus, o sorriso franco aguardando uma resposta, deixou-me sem jeito para dizer não! A resposta foi simplesmente resumida num “é possível”. Procurou argumentar sobre a necessidade de ter um cãozinho.  “É bonitinho! Eu quero! Preciso de um amiguinho desse tipo! Meus coleguinhas todos têm!”
Até que naquela tarde de novembro um amigo ofereceu-me um animal desses, pequenos, acho que é Pinscher (acertei o nome?), um bichinho tão miúdo que cabia no meu bolso.  Pensei que um serzinho desses não ocuparia espaço. Levei-o!  E qual não foi a alegria dele ao receber a cadelinha. Uma miniatura. Tornou-se até difícil criá-la. Com o passar do tempo, ela tornou-se a dona da casa. Corria pra todo lado, fazia festa com todos.
Era perigoso pisoteá-la de tão miúda. Tornou-se ciumenta com todos. Ninguém podia se aproximar de um de nós que ela corria, eriçava os pelos (que quase não tinha), fazia escândalos e latia desesperadamente. O latino fino e estridente que chegava a doer os ouvidos.
Foi então, numa dessas crises de ciúmes, que aconteceu. Estava ela deitada no sofá entre nós, quando alguém bateu à porta. Era um velho amigo. Solicitei que entrasse e se sentasse na sala conosco. Ele estava apenas de chinelos e sem meia. Quando, sem menos esperar, surgiu aquela coisinha correndo e latindo em direção ao visitante. Não houve tempo de pará-la. Com seus dentinhos afiados e brancos, abocanhou raivosamente o calcanhar de nosso amigo. É certo que apenas arranhou, mas nos deixou envergonhados. O comportamento daquela cadelinha nos deixou desconcertados. Quem diria!  Foi um problema segurar aquela ferinha ciumenta. Depois de muita luta, conseguimos.
No dia seguinte pedi ao meu filho que a levasse para ser vacinada. Fazia parte da rotina. Ele quis saber o porquê da vacina. Expliquei que o cão poderia transmitir doenças se caso mordesse alguém, como aconteceu.
Conformou-se e a levou ao veterinário. Quando voltou, todo satisfeito, com a cachorrinha no colo, abraçou-me e, num sorriso, falou:
- Pois é, papai, ela já foi vacinada! Agora ela já pode morder todo mundo, né?
         Caímos na gargalhada.

3 de julho de 2012

Dificuldades da Língua Portuguesa - XX

Perguntaram-me sobre a diferença entre varrição e varreção. Para esclarecer a dúvida, nada melhor do que esta pequena crônica de Rubem Alves.

"Sou feliz pelos amigos que tenho. Um deles muito sofre pelo meu descuido com o vernáculo. Por alguns anos ele sistematicamente me enviava missivas eruditas com precisas informações sobre as regras de gramática, que eu não respeitava, e sobre a grafia correta dos vocábulos, que eu ignorava. Fi-lo sofrer pelo uso errado que fiz de uma palavra no último Quarto de Badulaques. Acontece que eu, acostumado a conversar com a gente das Minas Gerais, falei em varreção - do verbo varrer. De fato, tratava-se de um equívoco que, num vestibular, poderia me valer uma reprovação. Pois o meu amigo, paladino da língua portuguesa, se deu ao trabalho de fazer um xerox da página 827 do dicionário [....]. O certo é varrição. E se eles rirem de mim não vai adiantar mostrar-lhes o xerox da página do dicionário [....]. Porque para eles não é o dicionário que faz a língua. É o povo. E o povo, lá nas montanhas de Minas Gerais, fala varreção, quando não barreção. O que me deixa triste sobre esse amigo oculto é que nunca tenha dito nada sobre o que eu escrevo, se é bonito ou se é feio. Toma a minha sopa, não diz nada sobre ela, mas reclama sempre que o prato está rachado."   [http://www.rubemalves.com.br/quartodebadulaquesXLII.htm]

Tenho saudades da minha infância   Saudades de tempos distantes, pessoas especiais, lugares inesquecíveis, cheiros e prazeres, reco...