17 de junho de 2012

Salvo por um estranho


Março de 1964. Exatamente no dia 31. Praça Sete em Belo Horizonte. No auge de meus 17 anos, caminhava tranquilo por ali, olhando lojas, apreciando o movimento que aumentava a cada instante. Eu adorava aquela cidade.
     Os jornais noticiavam sem parar a situação política do país. Manchetes estampava: “Governo está entregando o país aos comunistas...".
     Aproximei-me do Cine Brasil. Dali avistei uma multidão que caminhava em direção ao centro, passando pela Avenida João Pinheiro. Os participantes carregavam faixas pretas sem sequer uma palavra escrita. Estavam todos amordaçados.
     Soube mais tarde que tudo aquilo era uma manifesto contra o governo Goulart, era a greve do silêncio.
     Quando, de repente, cortando o silêncio, ouvi sirena por todos os lados. O Exército cercava os arredores com seus carros e tanques. Até a cavalaria montada estava presente.
     Era a guerra! pensei.
     Inocentemente segui em direção àquela multidão que já se desfazia e, desorganizadamente, avançou contra as grades da Igreja Santo Antônio, colocando-as ao chão e invadindo todo o templo. Outros iam contra as vitrinas das lojas cujos proprietários tentavam fechá-las. Granadas de efeito moral e lacrimogêneo eram atiradas e estouravam por todo lado.
     Pessoas sendo presas, pisoteadas... gritos de desespero brotavam das centenas de bocas naquela multidão.
     Recostado, na esquina do Cine Brasil, cruzamento com a Rua Rio de Janeiro, o pânico tomou conta de mim. Nervoso, eu não sabia para onde ir. O hotel estava longe.
     Foi quando um senhor, proprietário do Café Sete, puxou-me pela camisa e me arrastou para dentro de seu estabelecimento, fechando a porta em seguida, trancando-me lá dentro juntamente com outros fregueses.
     Tirou de meu bolso o único documento que tinha naquele momento: uma carteira de estudante. Rasgou-a e queimou seus pedaços enquanto me dizia ser eu um maluco em andar com este tipo de documento. Estudantes estavam sendo presos e desapareciam sem explicações.
     Entendi, então, naquele momento, que a ditadura estava por chegando. Angustiado, não sei quanto tempo fiquei ali. Ao sair, notei toda a praça cheia de fumaça, vidros quebrados, paus e pedras pelas calçadas. Todo o exército fortemente armado vistoriando todos que passavam por ali. Não me perturbaram, apenas olhavam para mim com desconfiança.
     Parte do Exército estava se dirigindo para a Assembleia Legislativa onde os manifestantes tomaram como reféns os parlamentares.
     A Revolução havia começado. E eu, simples estudante, apavorado e nervoso numa cidade estranha, fora salvo por um desconhecido.  Nunca fiquei sabendo seu nome, nunca mais o vi.
     Coisas da vida.

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