Tudo
começou no dia em que um tropeiro, vindo de longínqua fazenda, chegou naquela
cidadezinha do interior.
Era
para ele algo raro uma festa no povoado. Ficou observando as pessoas que se
locomoviam agitadas. Após alguns momentos de observação, tomou coragem. Pôs-se
também a caminhar, acompanhando a massa. Passadas curtas, andar indeciso,
caminhava o tropeiro à procura do objetivo que ali o levara.
Ao
olhar para sua direita, deparou com a vitrina de uma loja. Ali se encontrava o
desejado. Ali estava, bem à vista e tão perto de suas mãos, o objeto
cobiçado... um rádio.
Minutos
de indecisão. Contemplava o sonhado rádio. Decidido, entrou na loja.
Por
trás do balcão surgiu solícito o vendedor. Ao vê-lo ficou atordoado: um padre!
Naquele tempo, um padre era algo como que sagrado. No entanto, ali estava, como
vendedor da loja, um padre de batina e tudo.
Além
de dono da estação de rádio local, também o era daquela casa comercial, onde se
vendia um sem-número de coisas.
Apontando
para a prateleira de artigos eletrodomésticos, o sertanejo, ainda acanhado,
dirigiu-se ao padre:
-
Eu vim comprá um rádio, padre. Mas, tem que sê baratinho.
O
dono da loja deu uma olhada no tropeiro. Mediu-lhe as posses e decidiu-se
rápido. Tinha o que ele desejava: um rádio à bateria, era o último. Poderia
vendê-lo bem em conta.
Estipulado
o preço, o sertanejo contou as economias que trazia na algibeira da calça
remendada, e concordou:
-
É, o preço inté qui tá bão. Eu levo o bichinho.
O
aparelho foi ligado para experiência.
Logo
de início o dono da loja verificou que o rádio estava defeituoso: o dial
quebrado. Só sintonizava uma estação. Justamente a sua, a rádio Paroquial. Mas,
pelo preço que estava sendo vendido, aquilo não importava. Além disso, entendia
ele, a sua estação não era nada má.
O
tropeiro seguiu seu caminho, depois que o padre lhe sugeriu que não mexesse
naquele botão de sintonia. Mostrou-lhe onde aumentar e diminuir o volume, como
se usava a bateria e despachou o tropeiro com rádio e tudo.
A
venda fora efetuada um dia antes do Domingo de Ramos. No dia seguinte começava
a Semana Santa.
Na
distante fazenda, o rádio do tropeiro foi a grande novidade. Gente de toda a
redondeza se dirigia ao seu rancho para vê-lo. O sertanejo subiu no conceito da
vizinhança.
Domingo
de Ramos juntou-se o povo a ouvir as palavras do padre a anunciar a Semana
Sagrada.
Depois
rezaram acompanhando o cura, cuja voz estridente até eles chegava graças àquele
aparelhinho.
Mas
a Semana Santa dura sete dias!
Segunda
e terça-feira, o tropeiro e convidados ouviram as rezas que vinham da estação
de rádio da cidade. Na quarta, acompanharam todo o ofício de trevas.
Quinta-feira, ouviram com atenção a cerimônia do lava-pés. Sexta, choraram com
a adoração da Cruz e, no sábado, vibraram com o Aleluia.
Foram
sete dias inteirinhos de rezas.
Por
mais católico que fosse, o tropeiro sentiu-se desiludido. Não fora apenas para
rezar que ele fizera economia e comprara o rádio, não.
Por
coincidência, ao término da Semana Santa, esgotou-se a carga da bateria. O dono
do rádio resolveu ir até à cidade procurar o padre e pedir-lhe que a
recarregasse. Ao vê-lo:
-
Acabou a bateria? Não há de ser nada. Vou mandar recarregá-la, explicou o
atencioso padre, novamente transformado em comerciante.
-
Está gostando do rádio? volta o padre.
Segundos
de silêncio. Meio sem jeito, o tropeiro respondeu:
-
Gostano, inté que tô, seu padre. Mais quiria pidi um favorzinho. Eu gosto muito
de rezá, pode crê, mais... será que o sinhô não pudia recarregá esta bateria
metade de reza e metade... de umas musiquinha sertaneja?
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