Foi
naquela tarde de verão. Morávamos então numa pequena travessa da Rua João Luís
Alves. Carmen estava às vésperas de ganhar o segundo filho.
Claire, então com menos
de três anos, estava ao meu lado. Juntos conversávamos, sentados na soleira da
porta. Ela, com os cabelos soltos, a todo instante passava as mãos por eles
deixando transparecer uma vaidade precoce própria das mulheres.
De short e camisetinha sem mangas, contava-me causos e causos. Daquela
cabecinha fazia surgir um mundo de fantasias e histórias fascinantes.
A boneca “Nini” não mais
queria ficar perto do “Zeca Chorão” (era um bonequinho de borracha que estava
sempre com o rostinho em lágrimas e beicinhos estendidos, como que estivesse
num eterno choro).
O Bambi, aquele bichinho
que ela ganhou no sorteio durante a festa na porta da igreja, já não podia
servir de cavalinho para ela, estava crescendo. Ela queria trocá-lo por uma
bicicleta. Mas a troca ficaria por conta do Papai-Noel.
Ali, pai e filha
conversavam como se estivessem tratando de sérios negócios.
De repente, surgiu Dona
Amélia - uma senhora já com seus 60 anos - trazendo nos braços a netinha caçula
de 10 meses.
Toda sorridente e
orgulhosa da neta aproximou-se de nós. O bebê degustava sua chupeta, enquanto
coçava aquela cabecinha mostrando seu penteado estilo “Pedrita”. Começamos,
então, a falar sobre o futuro bebê.
Dona Amélia aproximou-se
de Claire e perguntou- lhe:
- Você quer um
irmãozinho ou uma irmãzinha?
Toda tímida, ela nada
respondeu. Apenas baixou os olhos e ficou a riscar o chão com um pedacinho de
madeira, como quem quisesse deixar ali sua resposta.
- Então, benzinho, a
cegonha vai trazer um irmãozinho para você? - insistiu Dona Amélia.
Claire levantou os olhos e fixou-se na bondosa senhora. Depois me
puxou a cabeça e aproximou seus lábios de meus ouvidos e disse bem baixinho:
- Papai, você precisa
dizer a ela que o nenen está na barriga da mamãe e não na barriga da cegonha.
Deixei-me cair na
gargalhada. D. Amélia, sem entender, acompanhou-me...
J. C. Paula
15.6.86
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